Celebrava-se o fim das
vindimas nesse ano de 1950 e o rancho reunia-se no pátio da quinta da família
Menezes, no Pombalinho, para dar início à adiafa. Nesta fotografia reconhecem-se na primeira fila e da
esquerda para a direita, Anita Marcano, Luísa Barreiros, Elvira Bacalhau,
António Rufino, Laurinda Antunes, Fernanda Barreiros e Silvina Bacalhau. Na
segunda fila e pela mesma ordem, Maria Adelaide Saúde, Helena Minderico, Irene
Coradinho, Maria Júlia Cavaco, Albertina Grais, Maria Carolina, Maria Júlia
Duarte, Conceição Cruz, Soledade Cavaleiro, Luísa Cota, António Bogalho e Alexandre
(cego do Reguengo). Na terceira fila, José Carvalho (tratorista), Francisco
Cavaleiro, Guilherme Afonso, Luís Barreiros, Alcides Vieira, João Dias, Gabriel
Joaquim, Nicolau Mogas, Alberto Bacalhau, Joaquim Antunes, Clemente e José
Mogas.
"Adiafa vem do árabe (addyafa) e significa banquete após o trabalho no campo."
"Consiste
na oferta em géneros alimentícios, em peças de vestuário ou em dinheiro, aos
trabalhadores rurais no fim dos trabalhos agrícolas."
"É uma refeição de caracter festivo, que o patrão oferece aos
trabalhadores no fim de algumas fainas agrícolas: ceifa, vindima, apanha da
azeitona, etc."
A adiafa na verdade, é tudo isto! Mas
essencialmente consiste na realização de um ambiente festivo que se celebra, ou
celebrava, no fim das colheitas! Hoje com a industrialização agrícola e a
consequente substituição de mão de obra pela força férrea das máquinas, muito
dificilmente assistiremos a este tipo de confraternização pelos campos do nosso
Ribatejo.
E é justamente para que
possamos imaginar um pouco dessa comemoração, que recorri a um livro editado em 1864 para dele retirar
excerto de um capítulo bem ilustrativo de toda a envolvência que rodeava a
preparação a adiafa! Começa então assim:
“... Estamos em Novembro, e o sopro gelado do
inverno já convida a acender-se o braseiro, e a agruparem-se-lhe em torno, as
famílias, sentindo crepitar a lenha, e estalarem as castanhas e as bolotas, que
as crianças assam alegremente ao lume da lareira.
A quinta, onde eu agora tenciono introduzir os meus leitores, é vasta e produtiva. A aragem fria de Novembro faz ondular a copa dos seus imensos pinhais, e um exercício de varejadores doideja, ri, e tagarela por baixo da folhagem cinzenta das suas oliveiras. As vinhas misturam-se a perder de vista com as searas; e o pomar, a horta, e o jardim vão-se abrigar à sombra das paredes da casa, ousando até este último, destacar como vedetas, roseiras e jasmins, que vão, trepando silenciosamente, espreitar pelas janelas, e enviar o seu perfume, como suave homenagem, aos donos desse pequeno mundo.
A quinta, onde eu agora tenciono introduzir os meus leitores, é vasta e produtiva. A aragem fria de Novembro faz ondular a copa dos seus imensos pinhais, e um exercício de varejadores doideja, ri, e tagarela por baixo da folhagem cinzenta das suas oliveiras. As vinhas misturam-se a perder de vista com as searas; e o pomar, a horta, e o jardim vão-se abrigar à sombra das paredes da casa, ousando até este último, destacar como vedetas, roseiras e jasmins, que vão, trepando silenciosamente, espreitar pelas janelas, e enviar o seu perfume, como suave homenagem, aos donos desse pequeno mundo.
No dia em que chegamos terminou a colheita da azeitona, e, segundo o costume, há de se celebrar a festa, cuja risonha perspectiva bastará para suavizar, aos olhos dos aldeãos, todos os trabalhos de dois meses. Depois do labutar incessante vem o dia de regozijo! Depois da campanha fadigosa o triunfo ambicionado. Os varejadores vão subir ao Capitólio!
Os almocreves de notícias da localidade já espalharam por toda a parte que ia haver adiafa na quinta de tal. Nem os pregadores da azzhala da guerra santa contra os cristãos podiam ser tão bem acolhidos pelos fiéis crentes de Mafoma, como estes noticiaristas orais o eram pelos alegres camponeses dos arredores! Vai haver adiafa, adiafa! Palavra mágica, que envolve a ideia de vinho á descrição, comida a fartar, e bailarico até as pernas dizerem “basta”, Adiafa! Isto é a festa da azeitona, a noite de benefício dos varejadores, o gáudio rasgado, o reinado da folia! Vão lá oferecer o trono do universo sem adiafa!
Subamos a escada de pedra, ao cimo da qual se topa o alpendre e entremos sem receio na vasta casa de entrada, mobilada simplesmente com bancos de pinho. A hospitalidade é um dever sagrado dos proprietários do Ribatejo, e nenhum, por mais duro que tenha o coração, ousa esquivar-se ao cumprimento dele. Subamos pois: espera-nos um bom acolhimento.
Vai um grande ruído a essa hora na casa de entrada, onde penetrámos. Nesse dia, como dissemos, findara a colheita da azeitona, e estava-se realizando a adiafa. Um pequeno olival dos donos da quinta, fora reservado para o último varejo, mais para satisfazer a uma formalidade, do que por não se poder completar a colheita na véspera do grande dia. Mas a etiqueta camponesa assim o exige. Varejar o pequeno olival é como pôr a última pedra num edifício, pretexto para a festividade. Já para esse trabalho os varejadores e apanhadeiras foram vestidos com os seus fatos ricos, e procedeu-se ao varejo com uma gravidade que não deslustraria o inaugurar de um caminho de ferro.
Antes do meio dia estava tudo pronto, e os alegres
varejadores, com o coração palpitante, enfileiraram-se atras do seu chefe, que
arvorou, em tão solenemente momento, a bandeira da procissão, onde figurava um
registo da Virgem, cercado de vistosos laços de diferentes cores. O capataz
abriu a marcha e caminharam na sua retaguarda os festivos pares aldeãos. Apenas
os donos da casa avistaram ao longe a comitiva, ordenaram que se preparasse a
mesa, onde os pobres trabalhadores se haviam de regalar com um banquete, cuja
suave recordação bastasse para iluminar, com esplendida luz gastronómica, as
trevas da futura e forçada abstinência. Um bom jantar português, farto e
suculento! A sopa fumegava em cima da mesa, a vaca e o arroz formavam depois em
ordem de batalha. À hora em que entramos, e em que, segundo dissemos, o sol se sumia
no acaso, sumia-se também o último pedaço do apetecido manjar no último recanto
do estômago aldeão em quanto esperavam saciados que a noite descesse para
recomeçarem as danças!!!! "
Por último, um testemunho bem
mais recente de alguém que viveu e ainda vive a adiafa na sua terra!
"... Hoje o
meu bom amigo Pedro Melro, emérito e orgulhoso produtor de vinho de Alcanhões,
convidou-me para a Adiafa. Para quem não sabe, a Adiafa significa a festa que se
oferece aos trabalhadores no último dia das vindimas. De acordo com o
dicionário a palavra vem do árabe addyafa e significa banquete.
Embora esteja um pouco desvirtuada, esta tradição fez parte do meu crescimento e habituei-me a ouvir falar dela e algumas vezes a, orgulhosamente, participar. Digo orgulhosamente, porque nessas alturas fazia também parte do rancho da vindima, quase sempre por amizade e camaradagem.
Embora esteja um pouco desvirtuada, esta tradição fez parte do meu crescimento e habituei-me a ouvir falar dela e algumas vezes a, orgulhosamente, participar. Digo orgulhosamente, porque nessas alturas fazia também parte do rancho da vindima, quase sempre por amizade e camaradagem.
Recordo com saudade, o convívio com aquelas gentes simples, o cheiro da terra e das uvas, o suor nos rostos, as cantigas e os cestos pesados que me faziam sentir um homem naquele reino de Homens e Mulheres.
Hoje senti-me quase um intruso, como se não merecesse comer e beber como os outros! O pão caseiro não me soube tão bem. A lebre deliciosa e a sopa de pedra. Os tomates apanhados da terra, o vinho maravilhoso. As azeitonas. O vinho. O vinho!
Para o ano duas resoluções ficaram. Vou primeiro à vindima e não repito a estupidez de não levar a máquina fotográfica!"
Colaboração
fotográfica de Pedro Menezes e Bruno Cruz